Cafh | Meditação à vera (2/14): O Abismo

Publicado el 11/03/2024
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O segundo tema de Meditação é muito interessante, O Abismo. O efeito que ele produz é a Desolação, que costuma ser tradicionalmente experimentado como uma sensação de desterro, ou seja, como se tivéssemos sido arrancados de nossa terra originária e nos encontrássemos vivendo neste planeta, neste corpo e achando estar fora de Deus, sem ter onde se agarrar. Não se encontra nada que realmente justifique estar vivendo. Deparamo-nos com toda a tristeza, toda a dor, toda a tragédia que nos acontece. Os momentos de felicidade são tão rápidos que não recordamos de quando os tivemos, nem quanto tempo duraram. Sentimo-nos desolados.
Mas há outras formas de meditar sobre O Abismo. Uma delas é a desolação que podemos sentir pela ignorância total em que se vive. É como viver num lugar, num quarto escoro, sem luz, sem porta, sem janela, sem nada. Não vemos absolutamente nada, não sabemos o porquê, não sabemos o que acontece. De fato, somos totalmente ignorantes em relação ao que realmente importaria na vida: qual é o seu sentido, porque tenho que sofrer, porque tenho que trabalhar, porque tenho que crescer e morrer. Esse é o Abismo da ignorância.
Se estendemos esse Abismo de ignorância a todo o mundo, essa ignorância abarca a sociedade inteira a que pertenço. E não é que não saibamos nada, mas sim que não nos damos conta daquilo que nos diz o que sabemos. Sabemos um montão de coisas e não nos damos conta do que elas estão nos dizendo. Então, a desolação que tenho, não a sinto por mim, mas sim pelo que represento como parte desta construção social que abarca o mundo, e por vivermos em total ignorância em relação a todas as consequências tristes que isto traz. Este é um segundo aspecto da desolação.
O terceiro aspecto que podemos considerar é a desolação que sentimos pelo sofrimento dos povos deste mundo, de quem nos recordamos apenas parcialmente, e do tão pouco que podemos fazer. Assim, isso já nos tira de uma desolação pessoal e faz com que estendamos nossa consciência, ao sofrimento geral e total do ser humano. Vamos além de nossa vida pessoal, mas vamos incluindo os vizinhos e tanta gente que não conhecemos. Passamos a perceber que, em toda parte do mundo, há catástrofes que não podemos evitar e que tampouco podemos ajudar, tomando meu ponto de vista mais próximo. Sentimo-nos desolados, unindo-nos a todo este mundo sofrido, porém em união com a humanidade e não mais pelo nosso sofrimento particular.
Esses são os aspectos que parecem ser muito importantes cultivar, para que não imaginemos ou sintamos que somos os únicos que sofrem ou que nosso sofrimento pessoa seja maior que qualquer outro no mundo. É um estado de participação com a dor coletiva. É como se fôssemos o Cristo na cruz, que sofre por todos, não por ele, mas por todos. Essa desolação de sofrer por todos leva implícito o consolo de poder sofre por todos e pelo que realmente importa, e o de podermos haver saído do egoísmo de sofrer p apenas por si mesmo.
Ou seja, abrem-se novos campos. Por exemplo, podemos nos desolar porque não desenvolvemos consciência da conexão real que temos com o divino, apesar de todas as maravilhas que temos ao nosso redor, de todas as graças, todas as bênçãos, de tudo o que recebemos diariamente, e que seria inclusive motivo para estar em gozo. Isto é, temos tudo para si, e não podemos compartilhá-lo ou, simplesmente, não o compartilhamos. Ou não conseguimos compreender ou nos conectar com esta realidade. Isto se passa com o Abismo em que nos metemos para nos isolar do resto. Esse é o nosso Abismo particular. Não é o Abismo da sociedade, nem o Abismo do mundo, mas sim o nosso próprio Abismo, em que mais do que a cova deum Abismo, em que não quero ver nem a luz e nem ninguém, está cada um de nós, somente. Estou sozinho, em total ignorância.